domingo, 19 de setembro de 2010

IV MAGNITUDES - ou "As itamirim"


A tarefa de dar nomes às magnitudes envolve uma complexidade muito maior se comparada com as dificuldades encontradas quando tentamos batizar quantidades. Isto se dá pela natureza aparentemente contínua das magnitudes em contraste com a natureza discreta das quantidades. No universo das quantidades, não existe quantidade intermediária entre ||| e ||||. A diferença entre as duas é de exatamente |. A próxima quantidades "depois" de 3 (ou yy) é 4 (ou yaa). Mas como expressar a diferença entre as duas magnitudes abaixo ?


Em outras palavras, como dar às grandezas acima um nome único que identifique cada uma delas ? Uma possível solução, consistiria em trazer o universo das magnitudes para o universo das quantidades, deste modo, “quantificando” as magnitudes. Esta seria uma decisão de alto risco, visto que negaríamos às magnitudes um tratamento particular, que se baseasse em seus domínios. Ao invés disso, Consideraríamos que esta abordagem, firmemente fundada no domínio das quantidades, possui o status de ser uma abordagem superior, sob a qual, todo o universo das magnitudes terá que ser encaixado.

A despeito disso, começaremos considerando uma magnitude básica, da qual, as outras magnitudes derivariam. Podemos chamar esta magnitude de 1 metro, 1 polegada, 1 pé, ou 1 pauá. O importante aqui é que as magnitudes serão vistas como constituídas desta unidade. Este simples ato já resolve por si só uma série de problemas. Se uma magnitude qualquer pudesse ser descrita como, por exemplo, 30 pauás, e outra por 29, poderíamos afirmar que elas difeririam uma da outra em exatamente 1 pauá. Se considerarmos que isto representa o fato de estas duas magnitudes serem consecutivas, acabaremos notando que existirão em abundância, magnitudes intermediárias entre duas magnitudes consecutivas, das quais ainda não teremos mecanismos para descrever.

No exemplo abaixo, as duas primeiras magnitudes poderiam ser nomeadas facilmente, visto que são múltiplas de uma unidade que tomamos como padrão. Mas que nome utilizaremos para batizar a terceira magnitude ? 

Além disso, percebemos que algumas magnitudes preservam relações que não são compartilhadas por outra. Por exemplo, encontraremos entre as magnitudes, um grande número delas, cuja medida equivale à metade de outra. Por exemplo, 1 medida é a metade 2 medidas, assim como a metade de 12 medidas é exatamente 6 medidas. Mas qual é a magnitude correspondente à metade de 3 medidas ? Nossa impressão inicial sobre magnitudes, é que elas se distribuem continuamente. Então, deve existir uma magnitude cuja medida seja exatamente a metade de 3.

Um meio de resolvermos estes problemas, é considerar submúltiplos das magnitudes. Cada unidade de magnitude poderá ser considerada como composta de partes menores. Assim, o espaço existente entre duas magnitudes existentes, seria formado pela concatenação de uma nova grandeza. Utilizando a base 10 e considerando o espaço existente entre as magnitudes 0 e 1, assumiremos inicialmente que este pode ser visto como contendo 10 segmentos iguais, conforme ilustrado na figura :

Mas como dar um nome a cada divisão dessas, de forma que não haja duas divisões com nome repetido ? Bem, nós vamos criar nosso próprio método aqui. Ele é ligeiramente diferente do que se considera “rigorosamente verdadeiro”. Mas um número escrito de acordo com nosso método não poderá ser diferenciado de um número escrito de acordo com a metodologia verdadeira.

Precisamos garantir que cada nome que gerarmos, designe uma, e somente uma magnitude. Precisamos também nos certificar de que todas as magnitudes tenham, cada uma, um nome. Adotaremos como critério que um nome de magnitude terá o seguinte formato :

NATURAL.d

Onde NATURAL representa a magnitude a partir da qual a subdivisão foi feita e d enumera a divisão em si. O ponto serve para separar os dois conceitos. Como fizemos uma divisão em 10 partes, chamaremos este ponto de ponto decimal. Deste modo a terceira divisão depois do 0 será chamada pelo nome :

0.3

Não custa repetir que o princípio se aplica a todos os intervalos unitários. A terceira divisão depois do 5 é chamada de 5.3. A figura abaixo mostra os nomes das outras divisões entre as magnitudes 0 e 1 (que poderiam ser quaisquer magnitudes as quais consideramos anteriormente como “consecutivas”). A coleção destes novos nomes receberá uma nomenclatura adequada futuramente. Por ora a chamaremos de coleção dos números DECIMAIS.

O ponto que outrora chamamos de 0, agora recebe o nome 0.0, assim como o 1 se chamará de agora em diante 1.0. Mas, se não for causar nenhuma confusão, o 0.0 pode ser chamado pelo seu antigo nome (como se fosse um apelido).

Ao adotarmos esta divisão, percebemos de imediato, que uma série de problemas é resolvida. O 3.0 pode ser descrito como duas medidas de 1.5, por exemplo. Mas logo perceberemos que, tal como fizemos com o conceito de "muitos", só empurramos o problema para adiante. Por exemplo, podemos observar que 2.0 representa a ocorrência de quatro medidas de 0.5, mas 3.0 representa quatro medidas de quanto ? Nada nos impede de repetirmos o processo, e subdividirmos cada subdivisão em também 10 partes iguais. Nossos nomes de magnitudes possuirão agora o formato :

NATURAL.dc

Aqui, NATURAL.d representa cada divisão que já havíamos definido. Não precisamos de digamos, um "ponto centesimal", visto que as divisões originais vão de 0 a 9. Apenas colocamos o sufixo c, cujo valor representa a enumeração de cada divisão existente entre dois NATURAL.d consecutivos. A figura abaixo lista os nomes gerados entre os nomes 0.0 e 0.1.

Todo NATURAL.dc que coincidir com um NATURAL.d, pode ser chamado pelo seu apelido. Deste modo 0.30 pode ser chamado de 0.3, e 1.00 pode ser chamado de 1.0, ou mesmo de 1. Só não esqueça que 1 não significa a mesma coisa que 1.00. 1 representa um nome NATURAL, enquanto 1.00 representa um nome DECIMAL. Mas se o contexto o permitir, pode-se chamar 1.00 de 1, sem maiores críticas dos puristas que possam surgir.

Agora não há mais dúvida. Só estamos empurrando os problemas cada vez mais para frente. Agora 3 são quatro ocorrências de 0.75, mas existem várias relações que não podem ser descritas por estes novos nomes. Se procedermos com a mesma lógica, chegaremos aos nomes com 3 casas decimais, cujo formato é :

NATURAL.dcm

Mas teremos a certeza de que estes nomes não serão suficientes para batizar todas as magnitudes existentes. Você já deve estar desconfiado de que só existe uma maneira de garantirmos que todas as magnitudes recebam um nome único. E esta consiste em considerar que nosso processo de divisão dos segmentos restantes, seja efetuado recursiva e indefinidamente. Deste modo, podemos considerar que o apelido 1, refere-se ao nome da magnitude :

1.000...

onde o sinal de reticências no final do nome, sugere a repetição do padrão 0 indefinidamente. A adoção deste modelo, garante que não haverá magnitude alguma que não tenha sido batizada, e ainda, que cada uma tenha recebido apenas 1 nome.

Aqui cabe uma ressalva. Estamos considerando que a cada nova aplicação da subdivisão em 10 partes, aumentamos a precisão do conjunto de nomes que chamamos de DECIMAIS. Esta consideração não é exatamente minha ideia original. Quando partimos dos nomes NATURAIS e fizemos a divisão a primeira vez para definimos os nomes NATURAL.d, estes não foram considerados uma extensão dos NATURAIS, e sim, outro tipo de nome. Do mesmo modo, quando aplicamos o processo de divisão nos NATURAL.d e obtemos os NATURAL.dc, estes não seriam exatamente uma extensão dos NATURAL.d, e sim um novo conjunto de números completamente diferente. A quantidade de casas decimais em cada nome, define a precisão da medida. Podemos então definir que temos DECIMAIS0, DECIMAIS1, DECIMAIS2, etc, todos conjuntos numéricos diferentes, onde o sufixo indica quantas vezes o processo de divisão foi aplicado, ou seja, a precisão destes nomes. Mas o termo DECIMAIS pode ser utilizado para referenciar qualquer um destes conjuntos.

Note que o fato de podermos considerar a criação destes nomes, não elimina todos os nossos problemas. Ao que parece, termos tentado adequar o universo das magnitudes ao universo das quantidades, nos fez herdar as limitações deste último, como uma espécie de efeito colateral. Quando nos deparamos com a possibilidade de existirem nomes de quantidades que jamais pudéssemos escrever, dada sua extensão, terminamos por nos contentar com a certeza de que pelo menos nosso sistema de nomes NATURAIS não continha furos e previa a existência deste tipo de quantidade. Todos os nomes de quantidades possuem ao menos, sua existência teórica. Agora, nosso sistema de nomes DECIMAIS, utilizado para nomear magnitudes parece sofrer do mesmo mal. Não poderemos escrever uma lista com todos os nomes de magnitudes possíveis, um após o outro. Mas isto não nos demove de nossa crença de que, assim como consideramos que todas as quantidades podem ser teoricamente nomeadas de acordo com nossas regras, todas as magnitudes, ou todos os números DECIMAIS, possuirão um nome único, de acordo com nosso sistema de formação. O método é mesmo bastante consistente. Se por exemplo, utilizarmos apenas os símbolos “0” e “1” para dar nomes às quantidades, também poderíamos dar nomes às magnitudes com apenas estes dois símbolos.

O passo inicial consistiria em dividir o intervalo unitário em 2 partes iguais, ao invés de 10. Os primeiros nomes que obteríamos, seriam os NATURAIS.d :




Assim como fizemos antes, dividiríamos cada intervalo em outras duas partes iguais, obtendo os nomes NATURAIS.dc :




Se continuarmos dividindo cada intervalo em duas partes iguais, teríamos nossos nomes DECIMAIS escritos na base binária.

Ao menos, desta vez não usamos sábios com poderes mágicos, nem pedra coloridas. Podemos então pensar na existência destes nomes, todos reunidos em uma única entidade ?

Estamos bem próximos de investigar esta questão com mais detalhe e talvez, optar pela resposta mais adequada. Tudo que eu posso fazer no momento é pedir paciência. Acho oportuno fazermos uma pequena introdução ao trabalho de Cantor. Em seguida iremos olhar para o universo das magnitudes sob uma ótica completamente diferente da que utilizamos aqui. Finalmente, poderemos fazer nossas considerações.

Nenhum comentário:

Postar um comentário