domingo, 15 de maio de 2011

VII OS REAIS E SUA CARDINALIDADE - ou "Jebinhõ cenoidaba"


Por vezes somos surpreendidos com uma revelação que destrói todas nossas crenças previamente estabelecidas. Acho que a primeira vez em que isto me ocorreu foi quando finalmente me convenci de que o Papai Noel realmente não existia. A despeito da incômoda insatisfação que isto me causou, fui obrigado a considerar um mundo completamente diferente do que eu vivia até então. Mas pelo menos entendi o motivo de eu nunca ter sido presenteado com aquele autorama que eu pedia todos os anos.


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O mesmo me ocorreu quando percebi que a capacidade para gerar nomes de quantidades havia sido seriamente abalada pelas considerações de Peano. A partir do momento que seus axiomas são considerados o modelo sobre o qual os Naturais são definidos, algumas limitações tornam-se evidentes. A maior delas refere-se justamente ao tipo de nome que pode ser considerado um número Natural. Todo número gerado pelos axiomas de Peano, será um número finito. Isto parece um pouco paradoxal no início, mas se você pensar nos números Naturais passíveis de serem gerados na prática, você irá concordar com esta afirmativa.

VII.1 - números não-naturais
Porém, antes de continuarmos devo fazer uma advertência sobre a afirmação de que a direita do dígito mais significativo de um número, existem infinitos zeros. Estamos habituados a pensar que :

1 = 01 = 001 = 000000000001 = ...0001

A última igualdade é só semanticamente verdadeira, pois ...0001 representa a quantidade bem definida 1. Mas a representação ...0001 deixa nas entrelinhas, aberta a possibilidade de imaginarmos que os infinitos zeros à esquerda, podem ocasionalmente assumir um valor diferente. A quantidade expressa por ...1112 seria tão válida quanto a expressa por ...0001. Porém, isto não é considerado verdade pela comunidade matemática e ...1112 não é considerado um número Natural. Ou seja, ao considerarmos que a representação ...0001 é válida, mas não o é a representação ...1112, estamos assumindo que :

À esquerda de um número Natural, podemos considerar que existem infinitos zeros, mas nem todos à nossa disposição.

Na minha opinião, este é mais um caso em que se misturam as duas abordagens do infinito. Quando assumimos que estes infinitos zeros à esquerda existem, estamos falando em termos de infinito completado. Por outro lado, temos que o processo de geração de números ocorre de forma sequencial, a partir da quantidade 0, passando para as quantidades seguintes por meio de uma relação chamada "sucessor". Este processo é apenas potencialmente infinito.

Para intuicionistas como Poincaré, este é o único infinito existente. Seu argumento é que estamos esquecendo o significado do termo infinito e emprestando-lhe um falso significado numérico. Infinito quer dizer, essencialmente, sem fim. O ato de somar 1 a um Natural para obter o seguinte, é interminável. Se você contar de 10 em 10 e eu de 1 em 1, você certamente estará contando mais rápido do que eu, mas isto não significa que você acabará a contagem primeiro, pois esta não pode ser acabada, por ser interminável. Para Poincaré, não existe um interminável maior que outro.

Já para Cantor, não haveria contradição alguma em considerar este processo terminado. Na verdade, esta concepção é antes de Aristóteles que de Cantor. Segundo ela, poderíamos pensar nos números como um todo. Creio que se existem contradições na abordagem de Cantor, ela não está nesta consideração.

De qualquer modo, para os NATURAIS, como nossas regras não são uma receita de como gerá-los, e sim de como reconhecer a ordem em que dois nomes ocorrem, nada nos impede de depararmo-nos com nomes contendo infinitos dígitos. Não há nada errado com os nomes :

...yaaaayaayaaa e ...yyyyaaaaaaaa

e ainda, podemos afirmar que o segundo virá depois do primeiro, significando que é maior do que este.

Porém, de acordo com as convenções utilizadas hoje, um número Natural pode conter qualquer quantidade de dígitos significativos, desde que esta seja uma quantidade finita. Números do tipo ...9992, ...1111, ...8888, ou qualquer outro que sugira uma quantidade infinita de dígitos, não são considerados Naturais. Um dos argumentos para justificar esta convenção é que não podemos efetuar operações matemáticas de forma consistente com este tipo de nome. A expressão :

...9998 + 2 = 0

é invalida, pois contraria a pressuposição de que ao adicionarmos uma quantidade a outra, obteremos uma quantidade maior do que esta.

Definamos portanto :

L1. Só serão considerados nomes válidos, aqueles que podem ser expressos por uma quantidade finita de dígitos.

Ao consideramos os NATURAIS com a restrição L1 aplicada, não haverá nada que os diferencie dos números Naturais. Podemos até afirmar que :

NATURAIS(L1) =

A restrição nos obriga a concluir que todos os números Naturais são números finitos, pois são constituídos de uma quantidade finita de dígitos significativos.

Esta consideração por si só, torna supérflua qualquer outra prova que possam nos dar de que existem mais números Reais entre 0 e 1 do que todos os números Naturais. Ora, nossos nomes de magnitudes foram definidos como compostos de duas partes :

parte natural.parte decimal

Os quais, de acordo com esta convenção, podem ser vistos como :

"quantidade finita de dígitos"."quantidade infinita de dígitos"

Comparar os Naturais com todos os números Reais existentes entre 0 e 1, seria o mesmo que comparássemos os conjuntos N e D descritos como a seguir :

N = Nomes formados com número finito de letras
D = Nomes formados pelo símbolo '0' seguido de um ponto e um número infinito de letras

Creio que a constatação óbvia de que o segundo grupo terá mais nomes, não precisa do trabalho de produzirmos prova alguma. Só não devemos esquecer que já chegamos a imaginar que existiriam menos Naturais pares do que todos os Naturais (os pares e os ímpares), por um raciocínio semelhante a este.

VII.2 Números não-finitos
Nos tempos de Cantor (ou seja, antes de surgirem os Axiomas de Peano), uma das demonstrações da infinitude do conjunto dos números Naturais, pode ser descrita por esta quase singela consideração :

"Suponhamos o contrário, ou seja, o conjunto dos Naturais é finito. Ora, este conjunto deve possuir então um último elemento de valor N, com a propriedade de ser maior que todos os outros. Ora, por N ser um número Natural, podemos adicionar-lhe 1, e obtermos um novo número Natural com valor N+1 maior que N, qualquer que seja o valor N. Portanto, não podemos considerar a existência deste elemento N, maior do que todos os outros. Por tabela, não podemos considerar este conjunto finito."

Mas temos também o outro lado da moeda. Usamos habitualmente 10 símbolos para representar quantidades (0, 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8 e 9), sendo este um número finito de símbolos. A aplicação de L1 sobre os NATURAIS, nos obriga a representar estes nomes com uma quantidade também finita de dígitos. É sabido também que com m símbolos diferentes e com n letras, existem exatamente :

q = m n

representações possíveis, eliminando-se os sinônimos. Espera-se de q, que este seja um valor finito. Dito de outra maneira, se dispusermos de um número finito de símbolos m, e os concatenarmos para formar palavras de n letras, teremos exatamente o número finito q = m n de palavras diferentes. Esta constatação nos leva à conclusão de que o conjunto NATURAIS(L1), não é infinito.

Por exemplo, consideremos a função f(x) = 2x , com domínio no conjunto dos números Naturais. Qual será o conjunto imagem desta função, e qual será a cardinalidade deste conjunto ? A resposta parece óbvia. O conjunto imagem será o conjunto :

F = {2⁰, 2¹, 2², 2³, 2⁴, 2⁵, ... }

E uma vez que podemos associar o Natural 0 ao elemento 2⁰ de F, o Natural 1 ao 2¹, o 2 ao 2², e assim sucessivamente, estabelecendo uma relação biunívoca entre F e , concluiremos que :

| ℕ | = | F | = 0

O problema maior aqui, é que considera-se F um subconjunto dos números Naturais. Ou seja, os elementos de F são todos os Naturais que podem ser escritos na forma 2n. Tomemos então a função g(x) = 10x , com domínio nos Naturais. Se considerarmos que todos os Naturais possuem uma quantidade finita de dígitos, podemos chamar essa quantidade de n. A quantidade n por sua vez, é um número Natural, visto que, por ser uma quantidade finita, pode ser escrita com um número finito de dígitos. Deste modo, 10n é um elemento do conjunto imagem de g(x), quando x for igual a n. Ao mesmo tempo, 10n é a quantidade de números que podemos escrever com até n dígitos, ou seja, a cardinalidade de . Em outras palavras, Estamos tratando de um caso em que :

(1) G ⊂
(2) 10n ∈ G
(3) 10n = || = 0

Onde G representa o conjunto imagem de g(x).
Se ainda por cima, quisermos afirmar que :

| ℕ | = | G | = 0

seremos obrigados a associar o Natural n ao transfinito 0, pois g(n) = 0, assim como g(n+1) = 0. Deste modo, G não poderia ser um subconjunto de , pois possuiria elementos não-naturais.

Este é um caso extremo, mas poderemos facilmente verificar que sempre que definirmos uma função f(x), cujo resultado seja maior que x, podemos nos deparar com esta situação. Se Galileu pensasse desta maneira, ele bem que poderia ter afirmado que, ou existem menos pares que Naturais, ou existem pares que não são Naturais.

Este comportamento só se verifica, quando consideramos L1. Ou seja, a consideração de que os Naturais possuem um número finito de dígitos, certamente nos conduzirá a várias contradições, pois assim, o máximo que poderíamos dizer é que existe uma quantidade indeterminada de Naturais, esta porém, finita. Em consequência, não precisaríamos de prova alguma que demonstre que existem mais Reais que Naturais, pois a própria definição destes conjuntos, deixaria isto bem claro.

VII.3 Argumentos
Se mesmo assim, duvidarmos do óbvio e decidirmos que necessitamos de alguma prova de que existem mais nomes de magnitudes entre 0 e 1 do que Naturais, podemos recorrer ao argumento da diagonal proposto por Cantor. Mas é inevitável que nos deparemos com algumas constatações.

Consideremos momentaneamente, um universo em que exista um número finito de quantidades, por exemplo :

0, 1, 2 e 3.

Se utilizarmos nossas pedras 0 e 1 (ou a e y) para nomeá-las, só precisaremos de nomes contendo 2 letras. Ao conjunto de todos os nomes de duas letras que podemos formar com estes dois símbolos, daremos o nome de q_NATURAIS.

q_NATURAIS = { 00, 01, 10, 11 }

A cardinalidade deste conjunto é 100 ( que significa 4). Este valor é incompreensível para nós, que só reconhecemos quantidades até 11. Mas sabemos intimamente que, por mais incompreensível que seja, este nome representa uma quantidade. Mais especificamente, a quantidade de q_NATURAIS. Resolvemos então definir o símbolo 0 para representá-la. Assim, teríamos :

| q_NATURAIS | = ℵ0

Se definíssemos também os q_REAIS de modo como os imagina Cantor, estes teriam nomes com 0 casas decimais. Façamos então uma lista contendo todas as partes decimais entre 0 e 1.



A segunda coluna da tabela representa os nomes decimais que alcançamos, e a primeira é a ordem na qual os consideramos. Só conseguimos imaginar que existam os nomes com os índices de 00 a 11(ou seja, 4 nomes). Ora, a quantidade de nomes de 4 letras que podemos formar com os símbolos 0 e 1 é de exatamente 2⁴. Esta quantidade não é um q_NATURAL. Só podemos enumerar os 0 primeiros nomes da lista. Os nomes restantes receberão um tratamento particular.

Do mesmo modo que 2⁴ é maior que 4, Cantor tenta provar pelo seu argumento que 20 é maior que 0. E ele faz isso, demonstrando que ao aplicarmos seu argumento da diagonal, encontraremos pelo menos um nome que não estaria na nossa lista. No nosso exemplo este nome será 1100. Observe que independente da ordem em que dispormos os nomes, aplicando-se o método da diagonal nos quatro primeiros, sempre encontraremos um nome que estará na parte não q_NATURAL da tabela. Lembre-se contudo, que existem muitas diferenças entre este exemplo e o argumento da digonal de Cantor. Só estamos tentando extrair a linha de raciocínio utilizada.

Existem duas curiosidades a respeito deste argumento. Uma delas é saber como ele se comportaria se tivéssemos apenas o símbolo | para representar as quantidades. Assim | seria associado à quantidade 0, || à quantidade 1, ||| à quantidade 2 e |||| à quantidade 3. Nossos nomes q_REAIS+ seriam :

q_REAIS+ = { |.| , |.|| , |.||| , |.|||| , ||.|, ... , ||||.|, ||||.||, ||||.|||, ||||.|||| }

o que é equivalente a :

{0.0, 0.1, 0.2, 0.3, 1.0, 1.1, 1.2, 1.3, 2.0, 2.1, 2.2, 2.3, 3.0, 3.1, 3.2, 3.3 }

Neste caso, o argumento não poderia ser feito, principalmente por não haver como mudar o valor de um dígito específico se só dispusermos do símbolo |. Note também que a quantidade de q_REAIS no intervalo [ | , || [ seria exatamente a mesma quantidade utilizada para enumerar os q_NATURAIS. (lembre-se que | é o apelido de |.| e || é o apelido de ||.|). Se ao invés dos q_REAIS, considerarmos os números Reais, mas estes representados com apenas o símbolo |, concluiremos que haveria a mesma quantidade de partes decimais diferentes entre | e || quantos seriam os números Naturais, de onde se concluiria :

| ℝ | = | ℕ | = ℵ0

Uma outra curiosidade diz respeito ao fato de Cantor ter adotado diferentes modelos para que cada argumento levasse a conclusão que ele desejava provar. Em todos os outros argumentos, Cantor aborda os números com a ótica do infinito potencial. Isto é evidente quando observamos que estes argumentos lançam mão de uma ordem específica em que distribuem-se os números estudados. Estando estes números ordenados, associa-se o índice 1 ao primeiro elemento da lista, 2 ao segundo, 3 ao terceiro, e em determinado momento, utiliza-se a frase "e assim sucessivamente", como que evocando a função "sucessor", que futuramente seria definida por Peano. O processo de contagem é sequencial, no qual em cada passo se vai de um número ao número seguinte. Este método, de tão ligado ao que entendemos por infinito potencial, chega mesmo a confundir-se com ele. Podemos até ousar fazer a seguinte afirmação :

0 = tamanho do infinito potencial

Por sua vez, no argumento da diagonal, Cantor praticamente recusa-se a contar os números do intervalo [0, 1[ . Ao contrário, ele os considera previamente contados. Se você atentar bem, verá claramente o conceito de infinito completado governando este argumento. Na minha humilde opinião, creio que abordagens diferentes podem levar a conclusões diferentes. Qual seria a cardinalidade do conjunto dos Reais entre 0.000... e 1.000... se os abordássemos de acordo com o infinito potencial ?

VII.3.1 Contando Reais
Uma necessidade primordial para podermos contar sequencialmente os Reais no intervalo [0, 1[ é, sem dúvida, encontrar um meio de ordená-los conforme o modelo proposto por Peano. Precisamos de um primeiro elemento, de uma regra de sucessão e da garantia de que cada elemento de nosso conjunto tenha apenas um "sucessor". Deste modo, teremos certeza de que estabelecemos uma ordem ao conjunto. Uma vez definida esta ordem, tudo que é necessário para enumerá-lo é colocá-lo em correspondência biunívoca com o nosso conjunto de nomes NATURAIS. Para isto, consideremos que um nome NATURAL pode ser descrito pela soma :

an ⨯ 10n + a(n-1) ⨯ 10(n-1) + ... + a1 ⨯ 101 + a0 ⨯ 100

onde an corresponde à quantidade expressa pelo símbolo na posição n do nome, contando-se da direita para a esquerda. Por exemplo, o nome 312 pode ser descrito por :

3 ⨯102 + 1 ⨯ 101 + 2 ⨯ 100 = 300 + 10 + 2

ou 3 centenas, 1 dezena e 2 unidades.

Ora, o mesmo raciocínio pode ser utilizado para descrever os nomes REAIS entre 0 e 1. Assim :

0.2133 = 2/10 + 1/10² + 3/10³ + 3/10

Neste caso, as potências de 10 crescem da esquerda para a direita. Ou seja, a parte NATURAL do nome 412.328 pode ser visto como a soma :

400 + 10 + 2

No mesmo nome, a parte decimal pode ser vista como :

3/10 + 2/100 + 8/1000

No que diz respeito à parte NATURAL deste nome, note que o símbolo adjacente ao ponto decimal ( o símbolo 2 ) está relacionado à menor parcela da soma. Já no caso da parte decimal, o símbolo adjacente ao ponto (o símbolo 3) é o representa o dígito de maior grandeza.

Portanto, em relação ao ponto decimal, podemos dizer :

(1) Se caminharmos para a esquerda, teremos os dígitos da parte natural do nome, em ordem crescente de grandeza ;
(2) Se caminharmos para a direita, teremos os dígitos da parte decimal, em ordem decrescente de grandeza.

Talvez esta seja a grande dificuldade de imaginarmos uma lista ordenada da parte decimal destes nomes.

Façamos então a seguinte definição :

REAIS+ = DECIMAIS

Levando em conta este conjunto, podemos especificar a ordenação de seus elementos através da utilização das seguintes regras :

(1) A parte decimal será composta de infinitos dígitos ;
(2) Cada dígito conterá um símbolo ;
(3) Os símbolos utilizados serão 0, 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8 e 9, nesta ordem ;
(4) O primeiro nome será o que contém todos os dígitos com o símbolo 0 ;
(5) Chama-se passo, o ato de fazer com que um dígito passe de um símbolo para o símbolo seguinte ;
(6) O próximo símbolo depois do 9, será o 0 novamente ;
(7) Sempre que um dígito passar de 9 para 0, o dígito à sua direita deverá efetuar um passo ;
(8) Os nomes seguintes serão obtidos através da realização de um passo no dígito adjacente ao ponto decimal.

Comecemos então a escrever nossa lista ordenada de REAIS+. O primeiro nome foi definido em (4).

0.00000000000000000000000000000000000000000000...

De acordo com (8), e baseados em (5) e (3), temos que os próximos nomes, serão :

0.10000000000000000000000000000000000000000000...
0.20000000000000000000000000000000000000000000...
0.30000000000000000000000000000000000000000000...
0.40000000000000000000000000000000000000000000...
0.50000000000000000000000000000000000000000000...
0.60000000000000000000000000000000000000000000...
0.70000000000000000000000000000000000000000000...
0.80000000000000000000000000000000000000000000...
0.90000000000000000000000000000000000000000000...

Ao efetuarmos mais um passo, nosso dígito adjacente ao ponto decimal assume o valor 0 de acordo com (6). Esta situação foi prevista em (7), e devemos fazer com que o próximo dígito sofra um passo também. Isto nos levará ao nome 0.01000000000000000... . Podemos então concluir que os primeiros cem destes nomes serão :

0.00000000000000000000000000000000000000000000...
0.10000000000000000000000000000000000000000000...
0.20000000000000000000000000000000000000000000...
0.30000000000000000000000000000000000000000000...
0.40000000000000000000000000000000000000000000...
0.50000000000000000000000000000000000000000000...
0.60000000000000000000000000000000000000000000...
0.70000000000000000000000000000000000000000000...
0.80000000000000000000000000000000000000000000...
0.90000000000000000000000000000000000000000000...
0.01000000000000000000000000000000000000000000...
0.11000000000000000000000000000000000000000000...
0.21000000000000000000000000000000000000000000...
0.31000000000000000000000000000000000000000000...
                                   :
0.88000000000000000000000000000000000000000000...
0.98000000000000000000000000000000000000000000...
0.09000000000000000000000000000000000000000000...
0.19000000000000000000000000000000000000000000...
0.29000000000000000000000000000000000000000000...
0.39000000000000000000000000000000000000000000...
0.49000000000000000000000000000000000000000000...
0.59000000000000000000000000000000000000000000...
0.69000000000000000000000000000000000000000000...
0.79000000000000000000000000000000000000000000...
0.89000000000000000000000000000000000000000000...
0.99000000000000000000000000000000000000000000...

O próximo passo no dígito adjacente ao ponto decimal o levará ao símbolo 0. Isto obrigará que o símbolo à sua direita efetue também um passo e também assuma o valor 0. Assim o próximo dígito sofrerá também um passo e irá de 0 para 1. Nosso nome seguinte, será :

0.00100000000000000000000000...

Bem, é fácil notar que todos os nomes REAIS+ , os quais nos propusemos a ordenar, serão listados se seguirmos este procedimento. Podemos eliminar os 0 não significativos e assim obtermos :

REAIS+ = {0.0, 0.1, 0.2, 0.3, 0.4, ... 0.9, 0.01, 0.11, 0.21, ..., 0.91, 0.02, 0.12, 0.22, ... , 0.79, 0.89, 0.99, 0.001, 0.101, 0.201, 0.301, ... }

Lembre-se que esta é apenas uma das ordenações possíveis de REAIS+, e deve ser vista como o que é. Uma mera ordenação dos elementos deste conjunto, ignorando a interpretação numérica em si.


Podemos utilizar um exemplo mais claro, para que o leitor visualize o processo como um todo. Suponha que ordenemos as partes decimais de uma magnitude, de acordo com um equipamento formado por infinitas engrenagens cilíndricas, todas contendo a sequência de símbolos de 0 a 9 (parecendo aqueles famosos cadeados de bicicleta) e todas inicializadas com 0. A primeira engrenagem muda de posição continuamente. A figura abaixo representa o momento da primeira mudança.


   
Suponha também, que o mecanismo interno do aparelho foi desenhado de tal forma que a cada vez que uma engrenagem completa uma volta, a engrenagem seguinte avança uma posição. Por exemplo, quando a primeira engrenagem for passar da posição 9 para a posição 0, realizando assim uma volta completa, a segunda engrenagem avançará para a posição 1.






Se escrevermos cada um destes valores, precedidos de "0.", teremos o conjunto :



REAIS+ = {0.000..., 0.100.., 0.200..., 0.300..., 0.400..., ..., 0.900..., 0.010..., 0.110..., 0.210..., ... }



Em suma, nosso procedimento garante :

(1) A existência de um elemento inicial ;
(2) Uma forma de calcular o "sucessor" de qualquer elemento ;
(3) Que cada elemento possui apenas um "sucessor" ;
(4) Que com exceção do elemento inicial, todos os outros são sucessores ;
(5) Que todos os REAIS+ no intervalo [0, 1[ , estão no conjunto ordenado.

Nada nos impede portanto, de associar o NATURAL 0, ao primeiro elemento deste conjunto, 1 ao segundo, 2 ao terceiro, e assim sucessivamente. A conclusão disto é que sim, os REAIS+ podem ser ordenados e colocados em correspondência biunívoca com os NATURAIS, levando-nos a constatação que ambos possuem a mesma cardinalidade, ou :

| REAIS+ | = | NATURAIS |

Quanto à semelhança entre nossos REAIS+ e o conjunto ℝ+, nada há de ser acrescentado. A única ressalva aqui diz respeito às definições de NATURAIS e números Naturais. Estes últimos são considerados de acordo com L1. Se eliminarmos esta restrição, teremos :


| ℝ+ | = | ℕ |

Creio que há motivos suficientes para eliminarmos esta restrição. No capítulo seguinte, além de abordarmos um desses motivos, daremos também a base filosófica para a seguinte conjectura :

P2. Qualquer subconjunto infinito de ℝ, ordenado de acordo com algum critério, pode ser colocado individualmente em correspondência biunívoca com o conjunto de nomes NATURAIS.

Nosso objeto de estudo será o infinito completado. Como já afirmamos anteriormente, todos os problemas do infinito passam pela definição deste, em particular.

Um comentário:

  1. É como contar normalmente, mas escrevendo os números ao contrário ?

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