sábado, 28 de maio de 2011

VIII FINITOS E NÃO-FINITOS - ou "uruáb"


A infinitude do conjunto dos Naturais, nunca foi realmente provada. Ela é presumida nos axiomas de Peano e simplesmente declarada, por meio do axioma do infinito na teoria dos conjuntos ZF. Muitos matemáticos de renome, tal como Poincaré, atacaram a ideia de tomarmos conjuntos infinitos como um objeto matemático válido. Mas existem outras coisas que assumimos sobre os números naturais, que também nunca foram provadas. Coisas que não foram sequer declaradas.


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Teremos então que voltar um pouco, para evidenciar onde, na teoria, esses elementos são tratados. Nossa primeira parada, será uma visita aos nossos velhos conhecidos Axiomas de Peano, mas desta vez, tentaremos descrevê-los mais detalhadamente, mesmo que usando linguagem não formal.

Como vimos, os AP (Axiomas de Peano) partem da suposição de que três conceitos, não precisam ser definidos formalmente, que são :

(a) O conceito de “número” ;
(b) O conceito de “0” ;
(c) O conceito de “sucessor”.

O “número” de Peano, é o mesmo que entendemos por “número natural”. Apesar de estarmos descrevendo os axiomas em linguagem informal, a linguagem utilizada por Peano era o que podemos chamar de "linguagem lógica". Os únicos símbolos não-lógicos utilizados são uma constante denominada “0” e uma operação chamada “sucessor”. Mas em nossa linguagem comum, podemos dizer que os AP são os seguintes axiomas :

  1. 0” é um “número” ;
  2. Para qualquer “número” n, podemos seguramente afirmar que n = n
  3. sejam os “números” n e m. se n = m, então, certamente, m = n
  1. Sejam os “números” m, n e o, se n = m e m = o, conclui-se que n = o
  1. Dados o “número” n e o objeto w. Se n = w, então w é um “número”
  1. Se existe o “número” n, existe também o “número” “sucessor” de n, s(n)
  1. 0” não é “sucessor” de nenhum “número”
  1. Dados os “números” m e n, se s(n) = s(m), conclui-se que m = n.
  1. Se uma propriedade for verificada em “0”, e for provado que se ela é verificada no “número” n, ela será verificada também em s(n)

    então ela será verificada em todos os “números”.

Para um leitor leigo, muitos destes axiomas são tão óbvios que não faz nenhum sentido declará-los. Por exemplo, qual a finalidade do axioma 2 ? Algo tão óbvio parece não precisar ser declarado, não é mesmo ? Mas estes axiomas são necessários para garantir certas propriedades matemáticas destes objetos “números”. Os axiomas 2, 3, 4 e 5, descrevem que, neste modelo, a igualdade (a relação expressa pelo símbolo =) é reflexiva, simétrica, transitiva e que os objetos “número” são fechados em relação à igualdade. Para um leitor comum, estas propriedades não são muito importantes. Mas os AP foram escritos, procurando atender o rigor exigido por leitores matemáticos. E para estes leitores, estes axiomas são de suma importância. Mas existem outros de uma importância relativamente maior.
O 9o axioma na nossa lista, é um deles. Ele poupa-nos do trabalho de buscar provas de uma propriedade, “número” a “número”. O axioma permite a generalização de uma propriedade, através da execução de apenas duas provas.

  1. A de que a propriedade vale para “0”
  1. E que se ela vale para um “número” n, ela vale para o “número” s(n)


Feitas estas duas provas, pode-se garantir que a propriedade é válida para todos os “números”.

Como afirmamos antes, vários matemáticos e filósofos aceitaram os AP, como axiomas definidores do que vem a ser um número natural, pelo menos de forma implícita. Também houveram aqueles que, como Poincaré, afirmaram que estes axiomas podem definir implicitamente o que é número natural, somente se eles forem realmente consistentes. Se em algum sistema baseado nestes axiomas, for verificada uma contradição, então estes axiomas não definiriam absolutamente nada.

Assumindo que os axiomas definem objetos do tipo "número",  não podemos deixar de mencionar a importância de dois destes axiomas, que são :

1. “0” é um “número” ;
6. Se existe o “número” n, existe também o “número” s(n)

Estas duas declarações, garantem uma característica importante aos objetos “número”. A de que os “números” são infinitos. Qualquer sistema numérico, construído nos moldes da AP, herdará como característica a infinitude declarada por estes dois axiomas. Esta declaração aberta da infinitude dos números naturais, foi alvo do ataque de alguns outros matemáticos, que não admitiam a existência de conjuntos infinitos, baseados no fato de que estes nunca poderiam ser completados. Estes axiomas não provam. Mas declaram que "número" trata-se de um objeto, cuja coleção é infinita. 

Uma versão similar a estes axiomas, pode ser encontrado na teoria dos conjuntos de Zermelo-Fraenkel (ZF). Na ZF, não há distinção entre “conjunto” e “número”. Todos são essencialmente a mesma coisa. Assim :










Pode-se mesmo, definir a relação “sucessor” :

Uma vez entendido que S(x) é o "sucessor" de x, A existência da infinitude é simplesmente declarada no Axioma do Infinito

Que pode ser traduzido por :

Existe um conjunto x, que tem o conjunto vazio como elemento, e para qualquer elemento y de x, o sucessor de y é também um elemento de x.

A grosso modo, podemos pensar que exista o conjunto :


X = { 0, S(0), S(S(0)), S(S(S(0))), ... }

Ou melhor, de acordo com a definição de S(x) dada acima :


X = { 0, 1, 2, 3, 4, ... }

O fato é que, a existência de conjuntos infinitos pode até ser questionada. Mas nenhuma contradição pode ser encontrada nos AP nem na ZF. Esses axiomas não provam a existência de conjuntos infinitos, é verdade, mas a consideração da sua existência não nos leva a nenhuma contradição.

Não que não possamos forjar uma (forjar no sentido de por na forja). Mas antes precisamos definir o que é ser finito. Uma definição informal do que é número finito é :

Qualquer número “alcançável” pela aplicação da relação “sucessor” da AP.

Baseado nisto, existe a crença de que todo número natural, é um número finito. Como não seria ? Ora, vimos que a AP define regras de formação exatamente destas entidades que chamamos “números” naturais. Se os AP definem cada número, co exceção do 0, no cálculo de uma fórmula chamada "sucessor", e a definição de número finito acima relaciona-se justamente à utilização desta fórmula, então todo "número" deve realmente ser finito.

Existe também outra crença de aceitação popular. A de que um número natural seja escrito com um número finito de dígitos. Perfeitamente lógico, pois como todo "número" é  finito, ele pode ser escrito com uma quantidade finita de dígitos. Se não, escreveríamos “números” que não seriam finitos.

Agora que temos uma definição (mesmo que um pouco imprecisa) do que é um número finito, e temos também um conjunto que consideramos infinito (o conjunto dos números  Naturais), podemos estabelecer alguns métodos para identificarmos se um outro conjunto é finito ou não, através do conceito de número finito e da utilização do conjunto dos Naturais como conjunto de referência.

Um conjunto S diz-se finito quando existir a bijeção


para algum número natural n.



Esse "matematiquês" pode ser traduzido. A declaração acima afirma que se cada elemento de S pode ser associado a um único elemento de { 1, 2, 3, … , n } e vice-versa, o conjunto S é finito.

Agora eu pergunto :

- Você não está percebendo nada estranho ?
- Aquela sensação de que alguma coisa está errada, voltou ?

Antes de discutirmos esse assunto com mais detalhes, precisamos ainda de mais uma visita ao capítulo anterior. Na ocasião, utilizamos o fato de que “todo número natural é escrito com um número finito de dígitos”, para ilustrar exatamente esse “algo estranho”. Lá, nos utilizamos de um “truque” que certamente, muitos vão discordar da sua validade. O truque foi :

...se um número natural é escrito com uma quantidade finita de dígitos, chamemos essa desconhecida quantidade de n.

Esta atitude foi tomada para ilustrar alguns fatos naquele momento, mas agora é hora de admitir que trata-se de uma atitude amplamente questionável. Por exemplo admitimos que com 10 dígitos, a quantidade de números que podiam existir era de :






Mas n, por ser um número também finito e também escrito com 10 símbolos, deve também ser escrito com uma quantidade finita de dígitos. Chamemos essa nova quantidade de m. Nossa quantidade de números naturais passa a ser descrita por :






É fácil perceber que este procedimento recursivo esgotaria rapidamente nosso alfabeto inteiro e ainda assim, não estaria terminado. Este argumento, por parecer exigir um procedimento infinito, não nos levará a lugar algum. Utilizamos essa abordagem pela sua simplicidade, mas sabíamos que cedo ou tarde deveríamos retornar ao problema. Então, agora que retornamos, dê uma olhada nos axiomas de Peano, e também na definição de número finito.

Em nenhum momento, tais “números” finitos são referenciados pelos AP. Estes tratam apenas de objetos do tipo “números”, sem se ocupar com sua finitude particular. Já a definição de “número finito” faz referência aos AP, acreditando que os axiomas definem exatamente o que é “número finito”. Isto adiciona aos “números” uma característica não prevista pelos axiomas.

Mesmo que essa característica não tenha sido declarada nos AP, “ser finito” é uma propriedade que pode ser provada pelo 9o axioma da nossa lista. Não precisamos declarar tudo de "números". Este axioma serve justamente para verificarmos qualquer declaração que fizermos. De acordo com a definição de número finito, podemos concluir que :

0” não é um “número” alcançável pela aplicação da relação “Sucessor” da AP. Logo "0" não será considerado um número finito. Então podemos provar que todo “número” maior que “0” é um número finito, provando que :
  • O “sucessor” de “0” (ou seja, o “número” 1) é finito
  • Se um “número” qualquer n, é um número finito, o número s(n) também é finito.
Espero que isto não esteja muito confuso. O que estamos tentando provar é que todos os números depois do "0" são números finitos. Para isto, estamos verificando a validade desta afirmação pelo axioma 9 de nossa lista. Se provarmos estas duas coisas, provaremos que os “números” de 1 em diante, são todos finitos. Ora, 1 é alcançável pela aplicação da relação “sucessor” em “0”, ou seja :

1 = s(0)

Logo 1 é finito. Isso termina a primeira parte de nossa prova. Provamos que 1 é finito.

Consideramos em seguida que, dado um “número” n que sabemos que é finito, podemos alcançar o “sucessor” de n calculando s(n). Isto faz de s(n) um “número” com a propriedade de “ser finito”.

As duas provas combinadas, nos fazem concluir que todos os “números” que são “sucessores”, são também finitos. Logo, como já havíamos declarado que é um conjunto infinito, temos agora que todos seus elementos são finitos. Um conjunto infinito de “números” finitos. Que beleza !

Mas há um truque aí que dessa vez não fui eu quem pus. Quando alguém diz que “número finito” é todo aquele alcançável pela aplicação de “sucessor” na AP, na verdade só está mesmo redefinindo o termo “sucessor”. Depois, provando que todo “sucessor” é um “sucessor”. Portanto, a definição de “número finito” não pode utilizar “sucessor” como prova.

Poderíamos então definir número finito como todo “número” que possa ser escrito com uma quantidade finita de dígitos. Depois partir para o 9o axioma e provar que todos os “números” podem ser escritos com uma quantidade finita de dígitos. O problema é que defini-se número finito com o conceito dele mesmo. A frase pode ser reescrita desta forma :

número finito é todo aquele com um número finito de dígitos.

A verdade é que os AP não tratam de números finitos. Tratam exclusivamente de “números”e da presunção de que existe um objeto matemático chamado todos os “números”, infinito por definição. Os AP definem “números” de acordo com o conceito de Infinito Potencial, e o todos os “números” de acordo com o Infinito Completado.

O que é bastante questionável, é se esses infinitos “números” devem ser encarados como sendo todos, “números” finitos. Ao considerarmos que um número finito possui uma quantidade finita de dígitos, o exemplo utilizado no capítulo anterior torna-se inquestionavelmente válido, pois é impossível que assumamos, ao mesmo tempo, que por um lado, a expressão :






E por outro que existem infinitos “números” deste tipo.

Um sistema construído com base nos AP, e ainda, ao qual adicionamos o seguinte axioma :

10. Se n é um “número”, n possui uma quantidade finita de dígitos.

Será um sistema contraditório, e de acordo com Poincaré,  um sistema que não prova absolutamente nada. Lembre-se que isto não anula a validade dos AP, os quais não possuem este axioma adicional. 

Existe ainda uma outra definição de número finito. Diz-se que um número n é finito se existir X, tal que X seja um subconjunto de , e X = { 1, 2, 3, …. , n }. Mas essa consegue combinar os defeitos das duas definições anteriores.

Esqueçamos por ora estes números finitos, e voltemos ao assunto “número” dos AP. Estes axiomas formalizam o que é aceito hoje como definição de número Natural. Mas existiram outras definições menos formais. Uma definição muito popular, tanto na época antes dos AP, assim como nos dias de hoje, é :

"O número 0, e todo número obtido adicionando-lhe 1 repetidamente."

A relação desta definição com os axiomas de Peano é óbvia e seu significado depende do que se entende por repetidamente. Se nos atermos à possibilidade prática, só poderemos considerar um número finito de repetições. Mas qualquer que seja este número, podemos fazer uma repetição a mais. Com este raciocínio, somos obrigados a concluir que não temos meio de calcular quantas vezes o ato de somar 1 pode ser repetido na prática, apesar de sabermos que este será um número finito. Mas a matemática não se restringe à prática. Podemos muito bem "imaginar" que o termo repetidamente pode ser levado ao extremo do seu significado. A isto relaciona-se o conceito de infinito.

E Georg Cantor fez isso. Imaginou. Mas na concepção de Cantor, a sequência :

0, 1, 2, 3, 4, ...

possui duas características, ao meu ver, conflitantes. Estas são :

(1) A sequência lista apenas números finitos ;
(2) A sequência é infinita.

Ora, se qualquer elemento da sequência representa uma quantidade finita, ele pode ser alcançado por um número q também finito de repetições do ato de adicionar “1” ao elemento inicial “0”. Como podemos achar que q é infinito ? Estou deixando de perceber algum dado intrínseco ou há um conflito claro entre estas duas afirmações ? Mas isso não é tudo. 

Temos também o fato de Cantor, Russel, Dedekind, entre outros, insistirem em utilizar o seguinte argumento :

Considere o conjunto ordenado de quantidades :

Q = { 0, 1, 2, 3, 4, ...., n }

O número de elementos deste conjunto (sua cardinalidade) é n+1, ou seja, maior do que qualquer elemento de Q. De modo similar, o número de elementos de , é maior que qualquer número Natural.

Este argumento evita descaradamente assumir que o conjunto Q possui um último elemento. Depois, num ato mágico, extrapola as conclusões obtidas de um conjunto finito para afirmar que o mesmo vale para os Naturais. Algumas outras curiosas afirmações sobre o mesmo tipo de conjunto, seriam :

(a) Dado o conjunto Q = { 0, 1, 2, 3, 4, ... , n }. O número de elementos deste conjunto é n+1, ou seja, maior em uma unidade do que seu último elemento.

(b) Dado o conjunto Q = { 2, 3, 4, ... , n }. O número de elementos deste conjunto é n-1, ou seja, existe um elemento em Q que representa uma quantidade maior que o número de seus elementos.

Se agora, agirmos como Russel e Cantor e utilizarmos no lugar de Q, em (a) teríamos que admitir a existência de um último Natural. Em (b) seríamos forçados a admitir que o conjunto formado por :

- { 0, 1 }

possui um elemento maior do que a sua cardinalidade.

O que quero demonstrar é que não existe muita força em um argumento deste tipo. Similarmente, não existe força na afirmação de que é um conjunto de quantidades finitas e que, ao mesmo tempo, possui infinitos elementos.

Se considerarmos o conjunto de quantidades, um conjunto infinito, temos que admitir que, sendo seus elementos descritos por m símbolos e n dígitos, com m > 1, pelo menos um destes dois componentes precisa ser infinito. Por outro lado, se considerarmos que o conjunto de quantidades só conterá números finitos, este conjunto certamente será finito, e sua cardinalidade será dada por mn.

Não esqueça que mesmo não sabendo sequer o valor aproximado de n, o que nos faz pensar que este é um truque, lembre-se que o sentido é afirmar que a expressão retorna sempre valores finitos. Os Intuicionistas costumam retratar problemas deste tipo com a seguinte metáfora :

Considere uma urna com apenas bolas pretas e bolas brancas. Uma pessoa com uma venda nos olhos, retira uma bola da urna e depois volta a depositá-la, e a urna se encarrega de embaralhar as bolas. Nunca poderemos saber qual bola específica esteva na mão do experimentador. Mas alguém terá muitos problemas se tentar afirmar que a bola não era nem preta nem branca.

É neste sentido que damos o exemplo. Se alguém disser que um conjunto de números finitos, possui infinitos elementos, ou seja, não pode ser contado por um número finito, então cuidado. Logo logo ele dirá que a bola retirada da urna era azul.

O que está em questão aqui, não é exatamente a infinitude do conjunto dos Naturais. E sim a natureza de seus elementos.

Contudo, Georg Cantor possuía uma fé absoluta de que era um conjunto infinito de quantidades finitas. De acordo com sua crença, o próprio 0 é definido neste contexto.

Agregados com um número finito de elementos, são chamados de “Agregados Finitos”. A todos os outros, os chamaremos de “Agregados Transfinitos”, e à sua cardinalidade chamaremos “número cardinal transfinito”. O primeiro exemplo de um Agregado Transfinito é dado pela totalidade dos números cardinais finitos, n ; Denominaremos sua cardinalidade de 0.

Observe que estes “números cardinais finitos” mencionados por Cantor, nada mais são do que o conjunto . Este conjunto de valores finitos, na opinião de Cantor, seria um conjunto transfinito. De qualquer modo, algumas ousadias são cometidas neste parágrafo. Ao considerar a totalidade de tais números, Cantor, declaradamente, aceita e defende a existência matemática do que denominamos Infinito Completado. Mais ainda, este conceito é entendido de uma forma muito mais abrangente do que a utilizada comumente. Sabemos que a ideia de Infinito Completado foi definida com uma série de restrições, justificando seu uso apenas para descrever o fato de que se dispusermos de algo que pode ser tomado como um todo, este pode ser dividido em infinitas partes. Pois bem, Cantor decidiu tomar o próprio Infinito Potencial como um todo. O conjunto formado por todos os Naturais. A cardinalidade deste conjunto é simplesmente estampada nas páginas de seu artigo, sem maiores delongas. 0 é descrito como o menor número cardinal Transfinito. Essa declaração, por si só, demonstra que Cantor considerava que existiriam ainda outros.

Ele prossegue argumentando que os números seguintes à sequência ordenada de números Naturais são :

ω, ω+1, ω+2, ....

Denominando de números Ordinais, o conjunto formado pela união :

U { ω, ω+1, ω+2, ....}

sendo ω a primeira quantidade maior do que qualquer elemento de , ou seja, ω é a primeira quantidade não-finita.

Ao analisarmos os motivos desta decisão, fica-nos a forte impressão de que Cantor necessitava de quantidades não-finitas, e esta lhe pareceu a melhor forma de defini-las.

Quanto a isto, resta-nos a possibilidade de, ao menos argumentar. Examinemos a definição acima e os axiomas de Peano. Qual a relação estabelecida por estas definições, entre número e infinito ? Ora, ambas deixam claro que o ato de somar 1, ou encontrar o "sucessor", constitui-se em um único passo de uma processo interminável. Em cada um destes passos, encontraremos outro número, completamente novo até então. Podemos até questionar se os passos definem números. Talvez os números já existissem previamente e tudo que estas duas definições ensinam é a maneira correta de contar passos. Mas uma coisa que estas definições não dizem é que existem infinitos números finitos. Esta crença vem da mistura de duas interpretações diferentes, tomadas como se fossem uma só :

(1) Qualquer número obtido pela adição de 1 ao número 0 repetidamente, por ter sido obtido, é um número finito. Esta é a limitação prática do infinito potencial ;
(2) Este processo não possui limitação teórica, ou seja, o termo repetidamente pode ser traduzido por "repetido indefinidamente". Isto nos traz a ideia de que o conjunto formado, se tomado em sua totalidade é infinito.

Logo, podemos imaginar um conjunto infinito (2) de números finitos (1). Uma mera mistura dos conceitos de Infinito Potencial e Infinito Completado.

VIII.1 Os elementos da contagem
Se começarmos o processo de contagem desde o início e efetuarmos um passo de cada vez, em cada um obteremos um número finito. Este novo elemento enumera o passo executado para alcançá-lo, o que deixa claro que não se chegará ao infinito desta forma. Passo por passo, iremos de número finito ao seu "sucessor" finito. Não se atinge o infinito, dirigindo-se a ele sequencialmente a partir de 0. Todos os números obtidos por este método serão finitos.

Mas se nos for permitido considerar que este processo foi terminado (por mais absurdo que isto possa parecer), temos que repensar sobre os números que seriam obtidos. Esta é uma nova abordagem e provavelmente acarretará na formação de números não considerados quando seguimos o processo de contagem passo a passo. Este fato foi, digamos, negligenciado por Cantor. Provavelmente, isto o levou a criar os Ordinais (ω e seus "sucessores").

A primeira abordagem, trata da sequencia numérica :

0, 1, 2, 3, 4, 5, ...

A segunda, por sua vez, trata da consideração do conjunto :

= { 0, 1, 2, 3, 4, 5, ... , ...9995, ...9996, ...9997, ...9998, ...9999 }

A existência de números com infinitos dígitos, é justificada. Uma vez que o ato de somar 1 foi tomado como completado, somos obrigado a considerar que o infinito foi atingido e teremos em nosso conjunto, quantidades infinitas. Mas nossa notação posicional estabelece que a representação destas quantidades necessitará de :

(1) Ou um número infinito de símbolos, para serem representadas por um número finito de dígitos ;
(2) Ou uma quantidade infinita de dígitos, para que as representemos com um número finito de símbolos.

Assim, com 10 símbolos, só nos resta uma maneira de representar quantidades infinitas e esta é utilizando infinitos dígitos, tal como proposto em (2). , tomado desta forma, é mais ou menos igual ao conjunto de números Ordinais proposto por Cantor. É a esta versão de que temos chamado de NATURAIS neste livro.

Não podemos dizer que este conjunto não passa de uma simples versão do que Cantor denominou de números Ordinais pelo motivo inverso do anterior. Uma coisa é assumir que passaremos de quantidades finitas para quantidades infinitas, quando tomarmos os números Naturais como um todo. Muito diferente disto é estabelecer o ponto de transição. Isto significaria determinar o passo específico em que o ato de somar 1 nos levaria do finito ao infinito. Se determinar este passo fosse possível, não precisaríamos do conceito de Infinito Completado, visto que a abordagem de obtenção de cada número passo a passo, cedo ou tarde atingiria este ponto de transição. Dizer, como Cantor, que é possível determinar o menor não-finito, é o mesmo que afirmar que ele é o "sucessor" do maior finito, mesmo que neguemos este fato abertamente. Deste modo, não podemos dizer qual é o maior Natural finito, assim como devemos negar a ω seu significado de ser o menor Ordinal não-finito.

Não podemos, por somas sucessivas a partir de 0, alcançar este ponto de transição. Por raciocínio similar, também não podemos alcançá-lo por subtrações sucessivas a partir de ...9999. Devo ressaltar que 0 e ...9999 representam meros símbolos. De nenhum número finito se chegará a um não-finito por somas sucessivas, executadas passo a passo. Do mesmo modo, não há como chegarmos aos números finitos, por subtrações sucessivas a partir de um número não-finito.


A consideração deste tipo de objeto “número”, nos permite criar construtivamente nossos objetos nomes de “números”. Espero que o leitor não se confunda aqui. Os AP definem os objetos “números”. Mas nada diz sobre o nome destes objetos. Isto depende do sistema numérico utilizado. Tenha sempre em consideração que nossos NATURAIS são apenas nomes de “números”.

Definamos portanto, os NATURAIS na base 10, como :

(1) Um nome é composto de infinitos dígitos ;
(2) Cada dígito conterá um símbolo ;
(3) Os símbolos utilizados serão 0, 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8 e 9, nesta ordem ;
(4) O primeiro nome será o que contém todos os dígitos com o símbolo 0 ;
(5) Chama-se passo, o ato de fazer com que o símbolo de um dígito, passe para o símbolo seguinte ;
(6) O próximo símbolo depois do 9, será o 0 novamente ;
(7) Sempre que um dígito passar de 9 para 0, o dígito à sua esquerda deverá efetuar um passo ;
(8) Os nomes seguintes serão obtidos através da realização de um passo no primeiro dígito à direita do nome ;
(9) O procedimento (8) pode ser repetido indefinidamente.

Deste modo, podemos representar este conjunto como :

NATURAIS = { 0, 1, 2, 3, 4, 5, ... , ...9995, ...9996, ...9997, ...9998, ...9999 }

Podemos mesmo atribuir um símbolo para a cardinalidade deste conjunto. Para evitar confusão com o 0 de Cantor, o que evocaria sua própria definição de , podemos dizer que :

| NATURAIS | = Ͷ0

Assim, uma outra forma de representar este conjunto, seria :

NATURAIS = { 0, 1, 2, 3, 4, 5, ... , Ͷ0-5, Ͷ0-4, Ͷ0-3, Ͷ0-2, Ͷ0-1 }

No próximo capítulo, trataremos de algumas peculiaridades destes estranhos números. 

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